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quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Berenic - A intensidade das cores

Quando se pensa na Amazônia, a primeira imagem que costuma vir à mente é a de imensas árvores alinhadas com predomínio da cor verde ou a de rios caudalosos com cores muitas vezes barrentas. Há outros ainda que vão se recordar da fauna, principalmente das aves maravilhosas que encantam pelas suas infinitas tonalidades.
As pinturas da artista plástica Berenic (nome artístico de Berenice Barreto, também conhecida como Beré) fogem a esses lugares comuns. Elas conseguem construir locais paradisíacos em que o universo de cores surpreende e se torna a sua marca registrada. A explosão imagética nos leva a uma Amazônia muito pessoal, marcada pela exuberância e pela multiplicidade.
Não se pense, porém, que se instaura um caos visual. As paisagens amazônicas e as telas de Berenic seguem uma ordem interna, em que ocorre a manifestação quase divina de um universo em que as cores se articulam em nome de uma mensagem de harmonia.
Azuis, vermelhos e amarelos compõem um caleidoscópio de sensações de uma artista naïf sempre pronta a nos oferecer uma nova possibilidade interpretativa daquilo que a realidade oferece. Em seu trabalho, não há mais limites a ameaçar a nossa imaginação, mas o estímulo à capacidade de mergulhar no desconhecido.
Berenic chegou a esse estágio em suas criações após uma interessante trajetória. Ela nasceu em Crato, CE, onde passou a infância e parte da adolescência. Desde criança gostava de desenhar e trocava a oportunidade de brincar no pátio pelo prazer de desenhar figuras no quadro negro.
Esse amor à arte já vinha de maneira forte do lado materno, pois a avô fazia crochê e a mãe costurava, bordava e pintava em tecido, sendo professora de artesanato. Aos 12 anos, foi passar férias em Salvador (BA) e passou um ano na casa dos tios. Depois, voltou a sua cidade natal, onde concluiu o primário, mas, impressionada com o mundo da arte da Bahia, decidiu seguir os estudos em Salvador.
Ali, com o tio Pedroso, conhecido artista naïf, começou a visitar museus e galerias, conhecendo as festas folclóricas locais. Posteriormente, Berenic fez curso de formação em Arteterapia, trabalhou como secretária, teve filhos e realizou cursos de tapeçaria e artesanato. A arte não a deixava, manifestando-se das formas mais simples, como ocorria quando, já adulta, usava lápis de cor das crianças para rabiscar desenhos.
Vendo aquele talento para arte sendo desperdiçado, Pedroso presenteou Berenic com tintas e pincéis e a estimulou a passar aquelas imagens para a tela. Para surpresa dela, os primeiros quadros foram logo vendidos na loja do tio e começaram a surgir convites para exposições.
Berenic realizou a sua primeira individual em 1979, mesmo ano em que se mudou para São Paulo, onde morou por dois anos. Depois, foi para o Rio de Janeiro, onde deu vazão a temáticas como folclore e a paisagens paradisíacas e coloridas onde vasos de cerâmica ganhavam destaque.
Após freqüentar cursos no Museu de Arte Moderna/RJ em que buscou entender mais a análise e a crítica da obra de arte, história da arte e arte contemporânea, chegou a pintar imagens de interiores de casas. Sua nova fase, voltada para a temática indígena, porém, iniciou-se em 1982, quando foi uma das artistas naïfs convidadas a participar de uma exposição no Museu nacional de Belas Artes/RJ, que tinha como proposta levar os participantes a recriar a visão da primeira missa da tela clássica de Victor Meireles.
Foi despertado então o desejo de conhecer melhor o mundo indígena, principalmente as suas legendas, mais precisamente as localizadas na exuberância da Amazônia. Uma das primeiras telas sobre o assunto foi sobre o boto cor-de-rosa. Seguiram-se outras imagens amazônicas, que hoje integram acervos no Brasil, França, Canadá, Itália, Japão e EUA.
O universo que Berenic nos faz deslumbrar é o do poder da arte de estabelecer uma nova realidade. A Amazônia que ela apresenta em suas telas é própria, fantástica e transcendente por brotar da capacidade criativa e pictórica de uma autodidata que não conhece a região pessoalmente, mas é capaz de captar o seu espírito ancestral e presente com sua sensibilidade de artista autodidata e exímia colorista.

Oscar D’Ambrosio, jornalista, mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA-Seção Brasil) e é autor, entre outros, Contando a arte de Peticov (Noovha América) e Os pincéis de Deus: vida e obra do pintor naïf Waldomiro de Deus (Editora Unesp e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo).

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