Berenic - A intensidade das cores
As pinturas da artista plástica Berenic (nome artístico de Berenice Barreto, também conhecida como Beré) fogem a esses lugares comuns. Elas conseguem construir locais paradisíacos em que o universo de cores surpreende e se torna a sua marca registrada. A explosão imagética nos leva a uma Amazônia muito pessoal, marcada pela exuberância e pela multiplicidade.
Não se pense, porém, que se instaura um caos visual. As paisagens amazônicas e as telas de Berenic seguem uma ordem interna, em que ocorre a manifestação quase divina de um universo em que as cores se articulam em nome de uma mensagem de harmonia.
Azuis, vermelhos e amarelos compõem um caleidoscópio de sensações de uma artista naïf sempre pronta a nos oferecer uma nova possibilidade interpretativa daquilo que a realidade oferece. Em seu trabalho, não há mais limites a ameaçar a nossa imaginação, mas o estímulo à capacidade de mergulhar no desconhecido.
Berenic chegou a esse estágio em suas criações após uma interessante trajetória. Ela nasceu em Crato, CE, onde passou a infância e parte da adolescência. Desde criança gostava de desenhar e trocava a oportunidade de brincar no pátio pelo prazer de desenhar figuras no quadro negro.
Esse amor à arte já vinha de maneira forte do lado materno, pois a avô fazia crochê e a mãe costurava, bordava e pintava em tecido, sendo professora de artesanato. Aos 12 anos, foi passar férias em Salvador (BA) e passou um ano na casa dos tios. Depois, voltou a sua cidade natal, onde concluiu o primário, mas, impressionada com o mundo da arte da Bahia, decidiu seguir os estudos em Salvador.
Ali, com o tio Pedroso, conhecido artista naïf, começou a visitar museus e galerias, conhecendo as festas folclóricas locais. Posteriormente, Berenic fez curso de formação em Arteterapia, trabalhou como secretária, teve filhos e realizou cursos de tapeçaria e artesanato. A arte não a deixava, manifestando-se das formas mais simples, como ocorria quando, já adulta, usava lápis de cor das crianças para rabiscar desenhos.
Vendo aquele talento para arte sendo desperdiçado, Pedroso presenteou Berenic com tintas e pincéis e a estimulou a passar aquelas imagens para a tela. Para surpresa dela, os primeiros quadros foram logo vendidos na loja do tio e começaram a surgir convites para exposições.
Berenic realizou a sua primeira individual em 1979, mesmo ano em que se mudou para São Paulo, onde morou por dois anos. Depois, foi para o Rio de Janeiro, onde deu vazão a temáticas como folclore e a paisagens paradisíacas e coloridas onde vasos de cerâmica ganhavam destaque.
Após freqüentar cursos no Museu de Arte Moderna/RJ em que buscou entender mais a análise e a crítica da obra de arte, história da arte e arte contemporânea, chegou a pintar imagens de interiores de casas. Sua nova fase, voltada para a temática indígena, porém, iniciou-se em 1982, quando foi uma das artistas naïfs convidadas a participar de uma exposição no Museu nacional de Belas Artes/RJ, que tinha como proposta levar os participantes a recriar a visão da primeira missa da tela clássica de Victor Meireles.
Foi despertado então o desejo de conhecer melhor o mundo indígena, principalmente as suas legendas, mais precisamente as localizadas na exuberância da Amazônia. Uma das primeiras telas sobre o assunto foi sobre o boto cor-de-rosa. Seguiram-se outras imagens amazônicas, que hoje integram acervos no Brasil, França, Canadá, Itália, Japão e EUA.
O universo que Berenic nos faz deslumbrar é o do poder da arte de estabelecer uma nova realidade. A Amazônia que ela apresenta em suas telas é própria, fantástica e transcendente por brotar da capacidade criativa e pictórica de uma autodidata que não conhece a região pessoalmente, mas é capaz de captar o seu espírito ancestral e presente com sua sensibilidade de artista autodidata e exímia colorista.
Oscar D’Ambrosio, jornalista, mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA-Seção Brasil) e é autor, entre outros, Contando a arte de Peticov (Noovha América) e Os pincéis de Deus: vida e obra do pintor naïf Waldomiro de Deus (Editora Unesp e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo).
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